sábado, 16 de janeiro de 2010

Manifesto ódio ou assim assim

E num qualquer rasgo, ao que a mim me pareceu relatividade temporal, lá se foi...

Talvez cedo demais, mas nunca mais tarde. E agora deverei eu ir por aí Ou só irei 'por onde me levam meus próprios passos'?

De volta num 'adeus que me vim embora', sem qualquer emoção, sem timidez nenhuma. O futuro sem medo se apresenta, tal mistério desnatado, tediamente aborrecido, que me faz passar à fase seguinte. De onde vinha a alegria da decisão, a ansiedade banhada de emoção, o sorriso do amanhã? Encaro o presente estático, nem sim nem não, talvez assim assim.

Não percebo nem nunca percebi aquelas pessoas que saltam por tudo e por nada, na manifesta alegria que se apodera para derramar uma lágrima já programada. Uma fofura interminável...

O que me custa a mim sorrir, e fingir um contentamento abismal, todo ele superficial, só para acompanhar o espírito geral. Dantesco o esforço quando as massas à volta são aqueles que ficam 'muito contentes por mim'. Serei eu um cínico realista incapaz de reagir? Um estraga festinhas porque na realidade não percebo mesmo? Ou estarei eu certo, e o sarcasmo colectivo já atingiu a mais alta ebulição política?

Realmente não me insiro no pensamento societal. Há sempre aqueles que vêm e dizem que não, que é passível, uma fase. Mas qual fase? Não é fase nenhuma, é assim.

Chateia-me o conselho pronto. Chateia-me ainda mais a sua completa remoção de sentido e falta de sapiência integral. Chateia-me a pergunta fácil e educada, chateia-me as onomatopeias sonoras quando uma novidade antiga tropeça no diálogo. Chateia-me o raciocínio lento e a inexistência de perspicácia.

Chateia-me (profundamente) a imposição de morais e o políticamente correcto. Chateia-me gente detentora da verdade absoluta porque um terceiro diz que sim. Mas desde quando é que os factos passaram a ser debatidos e alterados em simplicidade democrática para serem 'melhor' aceites? Chateia-me os 'acho que não, acho que não é assim'.

Nutro e alimento religiosamente um ódio profundo pelo culto da mediocridade. Uma coisa surreal. Sinto-me em plena condição para, palavreando aqui e ali, declarar guerra total à mediocridade, às alminhas de esquina, às idas à igreja, aos carros desportivos, ao falar alto, à falta de princípios e de educação.

Irrita-me de forma tecnicamente não adjectivável na universalidade linguística o não avançar da capidade humana por preguiça ou desculpa.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Coisas que nem sei bem o quê

Ainda há bocado olhei para uma folha. Realmente as folhas são um bocado privilegiadas. Não têm que fazer nada, mas têm acesso a tudo. A todos os olhares e a todas as conversas, presenciam todas as situações e todas as confusões. O que não saberá uma folha. Certamente saberá que o Valente já está farto de trabalhar na oficina e que a Frederica não gosta do cão do marido porque é alérgica ao seu pelo. Azar. Tenho a certeza que a folha ouve e vê todos estes arranhões da vida e diz “azar.” E não tem razão? No final, a única coisa que a folha tem que fazer é esperar por um rasgo de vento para poder seguir o seu caminho. E a partir daí se verá. Para onde irá a folha? Cada vez mais tenho a certeza que a folha diz “azar”.

O problema da folha é que por ser folha não pode folhear por aí e por aqui. E não folhear não tem piada. Mas o que chateia a folha é que ela sabe que as pessoas podem folhear e não querem, só querem que o vento chegue para saber como é o fim da história. Não, eu tenho a certeza que a folha aproveita a viagem toda, de outro modo, porque estaria ela ali? Para servir de confidente natural da agitação social? Não, nunca. Ao menos a folha desfruta do ramo, do vento e da poluição. A folha lida bem com tudo. Nunca está triste, zangada, magoada ou chateada. A folha não tem disposição, tem esta que tem e pronto. Se ao menos as pessoas fossem mais como as folhas. Se fossem como as folhas não lhes tinhamos que dizer nada. Cresciam e pronto, ficavam como a folha, aberta e disposta. Mas se assim o fosse seriam pessoas porque passavam ao lado da viagem, e as pessoas fazem sempre a viagem só não percebem que a estão a fazer.

Há coisas que não te sei explicar. Sim, é mais ou menos isso, mas agora tens que agir desse modo e não apenas falar. Essa é a diferença entre nós. Não, não, não em tudo, mas em várias coisas. Tu sabes bem que é assim. Tens que ser tão complicada porque? Não percebo. Sim, claro, o eterno cliché feminista. Ah pois agora sou eu que sou machista. Não, eu só defendo o uso da lógica. Mas podes ao menos ouvir-me? Não te percebo. Nem vou perceber. Nem quero perceber. E não quero partilhar a minha viagem.



Vasco Martins

domingo, 20 de abril de 2008

Se ao menos fosse menino morgado...

Lá ia, menino morgado por berço, educado a acreditar no destino que lhe havia sido marcado pela Providência, que, segundo alguns, intercedera directamente para que o menino morgado fosse quem é. Mais que tudo, lhe havia possibilitado uma vida folgada e ociosa, vida de salões e de bailes na capital, de encontros fortuitos e amores para sempre esquecidos.

Quão diferente tudo seria se fosse “menino morgado”. As pessoas seriam mais simpáticas, mais acessíveis, mais calorosas e humanas. Se fosse menino morgado todos olhariam de maneira diferente. Nunca teria de esperar até ter trinta ou quarenta anos para partilhar a sua opinião sem que outros achassem que nada sabia devido à sua tenra idade, de ser ouvido. Mais! Se o fosse todos lhe perguntariam o que pensava deste ou daquele assunto. As senhoras observá-lo-iam ao passar, falando discretamente, mas de forma audível como se de propósito fizessem, com a naturalidade que só é possível através de prática corrente e diária. Comentariam a excelência natural do menino morgado, fruto em parte da fabulosa educação que lhe foi proporcionada no estrangeiro. O senhor seu Pai tinha razão, a sua educação em Portugal teria sido um desperdício de tempo, dinheiro e de talento.

Como tudo era fácil e acessível, como se a vida se lhe disponibilizara a agradá-lo, como se tudo e todos se esforçassem na sua serventia. Como era diferente de todos os que o rodeavam…




Vasco Martins

sábado, 19 de abril de 2008

Hoje choveu aqui. Devia ter chovido no país inteiro.

Já lá vai o tempo em que as palavras fluíam como a água da chuva. Porque água da chuva não é uma água qualquer. A água da chuva flui de maneira diferente. Talvez por não ser tão coesa como a água da torneira ou a água do rio. Não, a água da chuva entranha-se. E escorre. A água da chuva escorre e nós nem damos conta. Quanta água terá passado entre o passeio e a estrada, junto a minha casa, com destino àquela abertura que há nas ruas que, eventualmente, vai dar aos esgotos?

E as outras águas?

Será que outras águas, que não a água da chuva, também optariam por rumar àquela passagem que vai dar ao sítio onde a água da chuva deixa de ser água da chuva? E escorreriam da mesma maneira? Não, não como a água da chuva. A água da chuva é diferente. A água da chuva não tem pressa nem vergonha. A água da chuva caminha erguida e firme, sem dúvidas de que é água, e mesmo não sabendo que as outras pessoas possam gostar ou não de água, não deixa de caminhar da mesma maneira, que sente de forma latente e involuntária que é a sua, a sua maneira natural de caminhar.

A água da chuva é rara.

A água da chuva dura pouco, porque se junta a outras tantas águas e fica corrompida, estragada, sem esplendor, sem piada. A água só é boa se for água da chuva. Se não for água da chuva não quero. Sim, podem dizer-me que sou inocente, ignorante, imaturo, que não sei nada da vida ou do mundo e que, quanto antes me vou arrepender de confiar tanto na água da chuva.

Porque a água da chuva é para os sonhadores...

Eu prefiro acreditar que a água da chuva é para aqueles que acreditam. Porque a minha água da chuva até se pode juntar às outras águas. Porque as outras águas quando têm muita água da chuva absorvem as pessoas e a água da chuva fica sem espaço para pingar. E quando a água da chuva se une às outras águas, caminham todas para aquele buraco que existe no passeio, ao pé de minha casa e deixa de ser água da chuva. A única diferença, é que eu sei fazer chover.



Vasco Martins